quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Transnacionais controlam o milho brasileiro

OLIGOPÓLIO Liberação de três espécies transgênicas apenas neste ano acelera processo de aquisições; quatro corporações dominam mais de 80% do mercado

Rui Kureda de São Paulo (SP)

OS RECENTES noticiários da mídia corporativa dão a idéia de que a produção de milho no Brasil vive um momento de euforia. É verdade que estamos testemunhando um momento inusitado. 

Afinal, nunca se exportou tanto milho. As previsões apontampara um aumento da área plantada para 2008. E, segundo as análises de portavozes do agronegócio, as expectativas são de que o país se torne o principal exportador mundial do grão.

Por outro lado, o quadro nunca esteve tão sombrio para a agricultura familiar e a soberania alimentar. Há muito tempo, as grandes corporações transnacionais têm investido para ampliar seu controle sobre o conjunto da cadeia alimentar em escala global.

E, nessa estratégia, a indústria de sementes ocupa um lugar de destaque por ser um elo chave dessa cadeia.

Grandes corporações têm adotado uma política agressiva de aquisição de empresas produtoras de sementes em todos os continentes, configurando um processo de crescente oligopolização do setor.
Um exemplo é a Monsanto que, segundo um relatório de 2005 do Grupo ETC, controla 41% do comércio global de sementes de milho.

No Brasil, a realidade não é diferente. Desde os anos de 1990, as transnacionais vêm aumentando cada vez mais a sua participação no mercado de sementes. Logo após a aprovação da Lei de Proteção aos Cultivares, em 1997, 22 empresas de sementes foram adquiridas por essas companhias.

E a indústria do milho, em particular, tem sido um dos alvos preferenciais dessa ofensiva, apresentando uma clara situação de oligopólio.

100 milhões de dólares 

Nos últimos meses, o anúnciode duas grandes transações aprofundou ainda mais essa situação. Em agosto, a Agromen, que detinha 10% do mercado brasileiro de sementes de milho, foi comprada pela Dow Agroscience. 

No mês seguinte, a também estadunidense Monsanto anunciou a compra da divisão de sementes de milho da Agroeste. Estima-se que tanto a Dow quanto a Monsanto tenham desembolsado algo em torno de 100 milhões de dólares cada uma.

O programa estadunidense de produção de etanol a partir do milho tem provocado um efeito devastador, gerando uma grande diminuição na oferta do grão e o seu conseqüente encarecimento

Com a aquisição da Agromen, a participação da Dow no mercado de sementes de milho passou a cerca de 20%. Já a Monsanto ampliou para 30% a sua participação, aproximando-se da líder Dupont/Pioneer (dos Estados Unidos), que detém 33% do mercado. Essas três empresas, mais a suíça Syngenta, controlam a quase totalidade das empresas de sementes de milho brasileiras.

QUANTO – 41,5% foi elevação do preço do milho na Europa, desde julho de 2006

Mas as transnacionais não demonstram disposição para parar. Agora, ao que tudo indica, a bola da vez é a empresa Santa Helena, de Minas Gerais. Christian Pflug, gerente de biotecnologia e licenciamento de milho da Monsanto, deixou clara essa disposição em uma entrevista ao jornal Valor Econômico: “Vamos aproveitar todas as oportunidades que surgirem para consolidar nossa posição no mercado de sementes de milho, assim como foi feito nos Estados Unidos”.
Mercado aquecido

Uma das razões para essa corrida desenfreada das transnacionais é o momento particularmente favorável do mercado internacional de milho. O programa estadunidense de produção de etanol a partir do milho tem provocado um efeito devastador, gerando uma grande diminuição na oferta do grão e o seu conseqüente encarecimento.

Além disso, é certo que esse mesmo problema atingirá outros produtos, pois está havendo uma corrida de agricultores dos Estados Unidos para a produção de milho para etanol.

Com isso, a forte demanda de milho, principalmente na Europa, causou uma grande elevação do seu preço, passando de 116,60 dólares por tonelada em julho de 2006 para cerca de 165 dólares em 2007.
Embora o Brasil seja um grande produtor de milho, o grão nunca ocupou um lugar de destaque na pauta de exportações.

Até este ano, o recorde de exportação de milho havia sido alcançado em 2001, quando foram embarcadas 6 milhões de toneladas do cereal. Em 2006, foram 4 milhões de toneladas. Mas a forte demanda global causou um verdadeiro boom nas exportações brasileiras.

Estima-se que, até o final deste ano, mais de 8 milhões de toneladas de milho serão exportados, o dobro de 2006.

E a conjuntura favorável tem gerado expectativas ainda mais “otimistas”. O próprio Ministério da Agricultura considera a possibilidade de as exportações de milho superarem a casa dos 10 milhões de toneladas. E tais expectativas não se limitam ao curto prazo. Estendem-se, no mínimo, pelos próximos dois ou três anos, período no qual o governo estadunidense pretende aumentar substancialmente a produção de etanol.

Para entender

Oligopólio – Situação semelhante a do monopólio. Acontece quando um grupo reduzido de empresas domina a oferta de produtos ou serviços de determinado mercado.
Alimentos ficam mais caros
de São Paulo (SP)

Reprodução
Além dos riscos decorrentes da oligopolização e da contaminação transgênica, a explosão das exportações brasileiras de milho está gerando outros problemas graves. Já são sentidos os refl exos da alta do preço do milho, principalmente na produção de ração para aves e suínos, composta por 60% de milho. Suinocultores e avicultores alertam para um aumento inevitável do preço do frango e da carne suína para o consumidor.

Além disso, é possível que, tal como ocorre nos Estados Unidos, agricultores deixem de produzir outros produtos agrícolas para plantar milho, o que acabará ocasionando escassez e elevação de preço de produtos necessários para a alimentação. Assim, a euforia demonstrada pelo agronegócio, que vê seus lucros se multiplicarem, poderá signifi carcarestia e falta de alimentos para a população. (RK)



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