A luta continua

Este espaço é destinado a contribuições, propostas, informações sobre lutas que Rui Kureda considerava importantes para a construção de um sociedade justa e libertária.


Conheci o Rui em 2007, quando prestava assessoria de imprensa na Casa de Cultura Santa Tereza em Embu das Artes, e ele dava aula de informática à população carente da região e sobre militância política aos interessados, bem como assessorava o companheiro Anivaldo em sua campanha para vereador. Em meio a isso ele ainda militava no Revolutas e em diversas frentes temáticas ao que confere injustiça social, tais como o racismo ambiental dentro outros. Para quem conheceu o Rui em seus tempos áureos lembra-se da capacidade dele de realizar várias tarefas ao mesmo tempo. Naquele mesmo ano Rui e eu passamos a morar juntos. Fevereiro de 2008 Kione nasceu e Rui conversava sobre a criação de um movimento de apoio a luta palestina MOPAT com um de seus amigos e companheiro Hassan ao mesmo tempo que prestava trabalhos para o FBOMS – Fórum Brasileiro de Ongs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente.

Viver com o Rui era ouvir o que há de melhor da música, amante do rock, inclusive os argentinos, jazz, música africana, japonesa, argentina e tantas outras. O seu conhecimento musical parecia infinito, tal qual para filmes. Todas as noites, ou era um filme, ou uma série de músicas que ouvíamos, e ele sempre tinha uma história sobre o filme ou sobre alguma canção. Vivíamos nossas vidas e aguardávamos o crescimento de Kione para que eu pudesse voltar ao mercado de trabalho.

Lembro-me que nesta época Rui escrevia diversas teses para o PSOL. No entanto, em 2010, descobrimos o espectro autista em Kione. Como sou bipolar e Rui tinha quadro de depressão crônica, foram difíceis os anos que se seguiram. Frente à necessidade de levar Kione a diversos especialistas, como fono, terapeuta ocupacional, psicóloga e psiquiatra tive de abrir mão de minha profissão e me dedicar ao tratamento de Kione. Lembro-me de Rui começar vendendo sua coleção de DVDs, logo depois passou a selecionar de seus livros exemplares para montar o sebo virtual Kione Livros.

Com a realidade da exigência de tratamento permanente tanto para Kione quanto para mim e diante das oscilações no campo de trabalho de Rui, o sebo passou a ser nossa única fonte de renda. Realidade que fez com que sempre contássemos com a ajuda financeira a priori do Revolutas e mais tarde de sus fiéis amigos companheiros de além vida. Em 2012 Rui e eu nos separamos. Fui morar na casa de meus pais com Kione. No entanto, mesmo sob cuidados médicos e tomando medicações para a bipolaridade tive a primeira crise após o nascimento de Kione. E, graças ao Rui fui internada e cuidada, pois mesmo morando em outra casa ele nos visitava semanalmente e observando alterações em meu comportamento, tomou as devidas providências. Rui era de uma intensidade e de uma profundidade fora do comum. Nada do que vivemos juntos foi fácil mas fomos felizes enquanto compartilhávamos momentos em comum. De todas as pessoas que conheci, ele foi o único que em um curto espaço de tempo já me conhecia o bastante, a ponto de me dizer se eu estava próxima de uma crise, acelerada ou em mania.

Depois disso Rui jamais me abandonou, cuidou de mim e de Kione ausentando-se cada vez mais de debates, congressos e do cenário político. Mas até o fim de seus dias levou seu conhecimento aos que deste necessitassem ou desejassem saber. Generoso com a sabedoria e mordaz no que se relaciona à oratória e à explanação, deixou sua marca aonde atuou. Ele acreditava que teria tempo de escrever. Desejava tornar Kione Livros em uma editora. Gritava por retomar às lutas e fundar uma instituição para autistas e ainda viajar pela América Latina. Planos que levou consigo. Mas deixou a luta!!! Ele foi meu companheiro por 10 anos. Ateu, autodidata, poliglota, socialista, ambientalista, humano antes de tudo, eterno Rui!!!Quando levantava a voz era para brigar contra uma injustiça!!! Depois de sua morte fica a lembrança de um companheiro alegre e sempre de bem com a vida. Sempre do lado dos fracos e oprimidos!!!

Daniela Ferreira dos Santos

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