quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Contra movimentos, governo realiza leilão de usina no rio Madeira

Rui Kureda de São Paulo (SP)


Sob tensão, realizou-se no dia 10 de dezembro o leilão da Usina Hidrelétrica (UHE) de Santo Antônio, no rio Madeira.

Três consórcios disputaram o leilão, que teve como vencedor o Consórcio Madeira Energia – formado pelas empresas Furnas, Odebrecht, Andrade Gutierrez e Cemig, além do Fundo de Investimentos e Participações Amazônia Energia (formado pelos bancos Santander e Banif). O resultado não surpreendeu ninguém, pois o consórcio vencedor era considerado favorito. Ainda assim, a proposta de cobrar R$ 78,87 por megawatt/hora pela energia a ser gerada na UHE Santo Antônio surpreendeu por representar um deságio de 35% em relação ao teto estipulado de R$ 122,00 por megawatt/hora. Para o governo, o resultado do leilão foi uma vitória. “Se Deus quiser, não pararemos mais de ter leilões”, afi rmou, na Argentina, o presidente Lula. Um dia de protestos Mas a realização do leilão, assim como seu resultado, foi alvo de protestos e mobilizações convocados por movimentos sociais e ONGs.

Cerca de 300 militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e de outros movimentos sociais ocuparam parcialmente, durante a manhã, o prédio da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), onde o leilão foi realizado.  Mas a ocupação não logrou impedir a realização do leilão. Pouco antes das 10 horas, mais de 200 soldados, com cães, escudos e cassetetes, entraram em ação, reprimindo a ocupação com violência. Em Porto Velho, centenas de pessoas realizaram marchas pelas ruas do centro da cidade, culminando com uma manifestação que contou com mais de mil pessoas. Segundo Josivaldo de Oliveira, um dos organizadores, as manifestações do dia 10 foram precedidas por intensas discussões envolvendo as comunidades ribeirinhas localizadas às margens do rio Madeira.

Críticas dos movimentos 

Uma das principais críticas incide sobre o processo de concessão da Licença Prévia. ONGs e movimentos são unânimes em apontar não apenas a ausência de consulta e debates junto às comunidades tradicionais que serão afetadas pelas obras, mas também a negligência na avaliação dos impactos ambientais. Um manifesto do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (FBOMS) afirma:“A Licença Prévia do Madeira foi emitida à revelia de incertezas estruturais do projeto, referentes à dinâmica dos sedimentos, à biodiversidade especialmente de peixes, à contaminação por mercúrio, à expansão desordenada do agronegócio e da mineração, ou seja, que representam risco de desfiguramento irreversível da Bacia do Rio Madeira, dos biomas, comunidades e culturas tradicionais a ela vinculados”.

O mesmo documento critica ainda a priorização, pelo governo federal, “da expansão das atividades primário-exportadoras e eletrointensivas, objetivo central do PAC”. Na mesma linha, para Gilberto Cervinski, do MAB, o leilão representa a privatização de parte do rio Madeira e a entrega da água e da energia para grandes banqueiros e transnacionais. Segundo ele, as hidrelétricas do rio Madeira não estarão a serviço do povo brasileiro.



Mais usinas para quê?


A questão de fundo, segundo Gilberto, é que “independentemente da empresa que ganha o leilão, o modelo energético brasileiro está organizado de tal forma que o povo brasileiro paga a conta de tudo isso, enquanto as empresas ficam donas das hidrelétricas e, ainda por cima, recebem energia 10 vezes mais barata do que a população”. Os argumentos apresentados pelo MAB e outros movimentos são corroborados por estudos que mostram serem desnecessárias novas usinas.  Bastaria a repotencialização de turbinas antigas e medidas para conter a perda de energia nas linhas de transmissão. Para o governo federal, entretanto, para possibilitar o crescimento econômico almejado, o país precisa garantir o fornecimento de energia. Assim, além das obras do Madeira, o governo retomou as obras de Angra 3, e planeja construir mais usinas hidrelétricas e nucleares.

Para tanto o governo Lula não hesitou em passar por cima de preceitos e princípios socioambientais que o PT sempre defendera enquanto estava na oposição. Esse é um ponto sobre o qual incidem as mais duras críticas dos movimentos e ONGs socioambientais, a redução de desenvolvimento ao simples crescimento econômico. Levante contra a venda A conclusão do leilão da UHE Santo Antônio, contudo, não representa o fi m da luta. Ainda há uma ação judicial, movida pela ONG Amigos da Terra, que está para ser analisada pela Justiça. Mas, independente de seu resultado, as organizações sociais e socioambientais prometem resistir.

Gilberto Cervinski afirma que é necessário chamar a atenção da sociedade para mostrar que a única forma de mudar este país é por meio da luta popular. “Os governos atendem os interesses de quem fi nancia suas campanhas, por isso, não devemos esperar nada dos governos, eles já deram demonstrações de que lado estão”, afi rma. E conclui: “Mesmo que o leilão tenha ocorrido, nossa luta continua, e para isso convocamos da sociedade a fazer parte desse levante contra a venda do rio Madeira”.



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