segunda-feira, 16 de maio de 2005

Racismo no Brasil - parte 2


Revolutas No 15 – Maio de 2005

Apontamos na parte I (Revolutas n° 15) a importância da questão racial, mostrando a necessidade de evitarmos duas armadilhas: diluir a luta antiracista na luta mais geral contra o capitalismo e/ou desvincular a luta contra o racismo da luta anticapitalista. Talvez esses riscos não se manifestem com tanta clareza como nas discussões sobre as cotas para negros nas universidades.

De um lado, percebemos uma tendência a limitar a luta contra o racismo à defesa das chamadas políticas afirmativas. Normalmente essa tendência se manifesta na reivindicação de cotas para negros e negras nas universidades, em medidas que contemplem as condições específicas da população negra (por exemplo, na área da saúde), exigência de leis e políticas públicas específicas que atendam negros e negras. Essa tendência se manifesta mais claramente nos movimentos negros.

De outro, há uma outra tendência a ignorar ou subestimar essas bandeiras e reivindicações. Assim, as políticas de cotas seriam equivocadas porque o xis da questão seria a falta de acesso da população pobre e não apenas dos negros às universidades. Para esses setores, em geral da esquerda socialista, consideram que as políticas afirmativas seriam equivocadas, pois dividiriam a classe trabalhadora e a população pobre.

O erro de negar as políticas afirmativas Comecemos por essa segunda tendência. Existe um problema nessa visão, que é na verdade um sintoma da “ilusão de ótica” de que falamos na parte anterior: os problemas que afetam os negros seriam essencialmente iguais aos problemas que afetam o conjunto da população pobre e trabalhadora. Assim, em vez de reivindicar cotas ou outros “benefícios” apenas para os negros e negras, o correto seria unir todos os pobres por uma luta comum que possa atender a todos.

O problema com essa visão é que não responde às questões sérias que levantamos anteriormente. Por que os negros e negras são os mais afetados pelas crises e pelas políticas socialmente excludentes? Por que medidas positivas atingem menos os negros e mais os brancos? Por que os excluídos negros estão em situação muito pior que os excluídos não negros? Quanto à afirmação de que políticas afirmativas, como as cotas, seriam divisionistas, isso é um absurdo. O que divide a classe é o racismo que é promovido e alimentado pela classe dominante. E se a situação da população negra é pior que a dos brancos isso se deve tanto ao racismo estrutural que se perpetua na sociedade capitalista brasileira, como na pesada herança escravista e colonial que segregou durante séculos os escravos e depois os negros “libertos”.

Há ainda um argumento muito ruim, que é o de que essas políticas contribuiriam para gerar uma elite negra privilegiada. Certamente as políticas afirmativas não atingirão de modo igual a população negra, pela razão simples de que ela também é permeada pela divisão de classes e, portanto, pelas divisões sociais. Nos Estados Unidos, por exemplo, as políticas afirmativas possibilitaram o surgimento de uma Condoleeza Rice. Mas isso não nega o fato de que essas políticas, conquistadas através das lutas contra a segregação racial, significaram uma melhora substancial ao conjunto da população negra.

Aliás, políticas que estão sob ataque cerrado da administração Bush.

O equívoco de superestimar as políticas afirmativas A outra perspectiva está, ao nosso ver, equivocada porque acredita que através das políticas afirmativas e políticas públicas (e leis) favoráveis aos negros e negras seja possível minar o racismo e mesmo eliminá-lo. É um equívoco que pode ter conseqüências sérias. Leis e políticas públicas mudam, e da mesma forma que são conquistadas podem ser retiradas pela classe dominante. O caso dos Estados Unidos é exemplar, pois a direita norte-americana, nos últimos tempos, tem se empenhado em retirar esses direitos e conquistas.

As políticas afirmativas poderiam ser suficientes se o racismo fosse um problema apenas de atitudes discriminatórias das pessoas.

Se isso fosse verdade, bastaria agir para “conscientizar” a população, e garantir medidas legais e políticas públicas. Mas não é simples assim.

As idéias racistas não são apenas idéias cristalizadas que têm que ser apagadas. As idéias racistas estão sofrendo constante mudança, assumindo novas formas, ganhando novos conteúdos, e são permanentemente divulgadas, veiculadas pela classe dominante através da mídia, do sistema educacional e todos os meios possíveis.

Em determinadas situações, as idéias racistas ganham força, conquistam novas audiências e seguidores. Isso ocorre, particularmente, em épocas de crise, quando é mais fácil para a direita racista divulgar suas idéias, apresentando-as como uma explicação para o desemprego e a miséria. Na Europa, o nazista Le Pen tornou-se uma força política na França culpando os imigrantes pelo desemprego dos brancos, em especial da juventude. E, em tais condições, a direita logra conquistar apoio para atacar direitos conquistados pelas minorias raciais.

O fato é que para que possamos levar adiante uma luta antirracista conseqüente, temos que evitar ambos os erros. Mas essa discussão fica para o próximo número.

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