quarta-feira, 20 de abril de 2005

Racismo no Brasil - parte 1


Revolutas No 14 – Abril de 2005

O debate sobre cotas e políticas afirmativas é bastante polêmico. Muitos não concordam com as cotas por motivos que merecem ser discutidos. Primeiro, que o problema do acesso à universidade não se limita aos negros, mas aos pobres, que em sua maioria estudam em escolas públicas. Portanto, o problema seria sobretudo social, não racial. Um outro argumento usado é que as políticas afirmativas são meros paliativos.

Nunca é demais lembrar que o racismo brasileiro tem uma particularidade que o distingue dos racismos mais abertos como os que prevaleceram nos EUA e na África do Sul. Nesses países existiram políticas racistas oficiais. No Brasil, não. Como afirmou Sueli Carneiro, o caráter perverso do racismo brasileiro é que um negro é vítima de racismo sem perceber que está sendo vítima de racismo.

Mas os dados estatísticos mostram uma realidade que não difere das que existiram em outros países. Em 2003 o IBGE divulgou que 77, 8% dos 50 milhões que vivem com menos de meio salário mínimo são afro-descendentes. Uma população maior que uma Argentina! Ainda segundo o IBGE, um trabalhador negro ou pardo ganha 30% menos que uma mulher branca, a qual ganha muito menos que um homem branco. E se falarmos sobre a trabalhadora negra, estamos diante do setor mais explorado e oprimido da nossa sociedade, com os piores salários e vítimas, simultaneamente, do racismo e do sexismo.

As relações inter-raciais

Esses dados contradizem o mito da democracia racial.

Um fator que contribuiu para dar crédito a esse mito são as características das relações inter-raciais da sociedade brasileira. As manifestações de racismo ou conflitos de caráter racial existem no Brasil, mas ainda assim não chegam perto da situação que existiu nos regimes de segregação racial.

Vale a pena lembrar dois fatos: a miscigenação inter- étnica e um razoável grau de harmonia social inter-étnica.

O primeiro, incentivado pelas elites brancas brasileiras a partir de um certo momento da história (final do século 19 e começo do século 20), dentro da estratégia de embranquecimento, tornouse um dos pilares do mito fundador da nação, como bem indicou Marilena Chauí. O Brasil seria um país de mestiços, de mistura de raças e culturas. A força desse mito não pode ser menosprezada, pois está enraizada no senso comum.

A mensagem é clara: o brasileiro é essa mistura étnica e cultural, e o Brasil é um país generoso, onde a fusão de culturas estaria gerando uma cultura peculiar, autenticamente brasileira.

A ilusão de ótica

Muitos, inclusive na esquerda, acabam incorporando a idéia de que o racismo brasileiro é cordial.

Para isso contribui muito o fato de que não existe um discurso oficial de segregação racial, e pelo fato de que as relações entre as etnias são, aparentemente, harmoniosas. Quando se deparam com os indicadores que mostram a situação dos negros e negras no Brasil, alguns chegam a questionar tais pesquisas.

Chegamos a um ponto crucial. A particularidade perversa do racismo brasileiro é que o racismo está camuflado. É um racismo que está presente em toda a sociedade, mas que não aparece como tal. E por isso os problemas dos negros são vistos e percebidos, antes de mais nada, como problemas sociais.

Sabemos que os problemas sociais são graves, principalmente a exclusão social, que atinge negros e não negros. Mas o que explica o fato de que os negros são mais excluídos e compõem a maior parte desse setor socialmente marginalizado?

O capitalismo brasileiro e a questão racial

O capitalismo brasileiro surgiu com a exclusão do negro do mundo do trabalho. Após a abolição, milhões de ex-escravos afro-descendentes foram lançados às margens da sociedade, desprovidos de quaisquer elementos de cidadania, impedidos de acesso à terra ou ao trabalho.

No lugar do negro, veio o imigrante europeu, considerado mais apto para o trabalho assalariado. Mas é evidente que se tratou de uma política deliberada das classes dominantes.

O Brasil foi um dos países de maior crescimento econômico do século 20, mas, ao mesmo tempo, é o terceiro país em desigualdade social.

Esse quadro da desigualdade social persistiu durante todo o século 20, e a sua origem está exatamente nesse período a que nos referimos acima, no período após a abolição. A exclusão social brasileira tem raízes profundas no seu passado escravista e colonial, e é um elemento presente no capitalismo brasileiro desde a sua origem.

O racismo, portanto, ocupa um lugar decisivo na estrutura de classes do Brasil e nas relações sociais de produção capitalistas.

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