quinta-feira, 18 de novembro de 2004

Governo Lula: devastando a natureza

Revolutas No 10 – Novembro de 2004

Está entrando em discussão no Congresso Nacional projeto de lei que oferece concessão de terras públicas na Amazônia para a exploração pela iniciativa privada. A iniciativa é do governo, que alega que essas áreas serão exploradas de forma sustentável, inibindo a grilagem e impedindo a continuidade do desmatamento florestal. Mas como acreditar que se possa monitorar a ação das empresas concessionárias se até hoje não conseguiram sequer diminuir o ritmo de desmatamento? Alguém tem dúvida de que serão as grandes madeireiras, nacionais e estrangeiras, que vencerão as licitações? Leia abaixo avaliação nada positiva das ações do governo Lula na área ambiental.

 O balanço do governo na área ambiental não é nada animador. Ambientalistas no começo do governo Lula imaginavam que, pelo menos nessa área, haveria uma melhora em relação a FHC. Mas cada vez mais dão-se conta de que a lógica da política ambiental está subordinada à lógica mercantilista e destrutiva do capitalismo neoliberal. Leia abaixo avaliação nada positiva das ações do governo Lula na área ambiental.

Quando Lula assumiu a presidência o número de pessimistas quanto à sua política econômica já era razoavelmente grande. Afinal a famosa “Carta aos Brasileiros” já dizia tudo: honrar compromissos, seguir o receituário do FMI, etc. Porém, mesmo assim havia certa expectativa em relação a algumas áreas importantes. Uma dessas áreas foi o Ministério do Meio Ambiente (MMA). A nomeação de Marina da Silva, ambientalista de projeção internacional, foi saudada entusiasticamente por ONGs ambientalistas e outras personalidades do setor. Na verdade houve um forte lobby junto a Lula para que Marina fosse a indicada para o cargo do MMA.

No início Marina da Silva ostentou um discurso firme de levar adiante uma política ambiental efetiva, e se mostrava disposta mesmo a enfrentar resistências internas e externas ao governo. E em algumas ocasiões, principalmente na edição das duas Medidas Provisórias (MPs) editadas em 2003 liberando, em caráter provisório, o plantio da soja roundup, ela esteve no centro das atenções, lutando bravamente para impedir ou pelo menos para modificar o texto das MPs.

Quase dois anos após a sua posse, a realidade é outra. Um dos últimos números da revista Carta Capital traz na capa a foto de uma Marina da Silva abatida, e estampado na capa lê-se a frase: “Ministra do Meio Ambiente hesita entre as razões de Estado e a luta dos ecologistas”. A pergunta é: haverá mesmo hesitação?

Queda de braço?

A questão ambiental está relacionada com inúmeras outras áreas do governo, como Ministério de Minas e Energia, Ministério do Planejamento, Ministério da Agricultura, Ministério das Cidades, entre outras. É a tal da ‘transversalidade”. Projeto de hidrelétrica?

Tem que haver uma análise de impacto ambiental antes de se aprovar o projeto e colocá-lo em andamento. O mesmo acontece com outros tipos de projetos.

A política do chamado “desenvolvimento sustentável” defendido por Marina da Silva estava fadada ao fracasso desde o começo, pela simples razão de que o governo Lula, seguindo as diretrizes do FMI e do Banco Mundial, procurava meios de “tirar leite de pedra”, ou seja, com uma dívida pública astronômica, superávit primário de 4,25%, tinha que gerar crescimento econômico.

No caso dos transgênicos estava o claro interesse dos representantes do agronegócio, os ministros Roberto Rodrigues e Furlan. Mas não apenas eles. Desde o início estava claro que José Dirceu defendia a liberação. Quando a Monsanto pagou uma viagem a uma comitiva composta de parlamentares e representantes do governo para visitar suas instalações nos EUA e visitar uma plantação na África do Sul, havia na comitiva um assessor especial do Ministro Chefe da Casa Civil. Seu nome? Waldomiro. Agora, com a terceira MP liberando os transgênicos, apenas alguém muito ingênuo pode achar que a situação pode ser revertida. Os vitoriosos foram a Monsanto e o agronegócio.

Mas houve derrotas piores ainda para a política do “desenvolvimento sustentável”.

O Plano Plurianual (PPA), por exemplo, contém entre as obras previstas, 89 obras de grande impacto ambiental na Amazônia, incluindo grandes hidrelétricas. Ah, sim, e a pavimentação da BR-163, que vai de Cuiabá a Santarém, cujo principal papel vai ser transportar soja para exportação. Aí também venceram representantes do agronegócio como o “rei da soja”, Blairo Maggi, governador de Mato Grosso, que fez um lobby poderoso em conluio com empresas estrangeiras de peso. Em Santarém a Cargill já criou um porto.

Detalhe: a Cargill da América Latina está sob controle da Monsanto. Não é à toa que a BR 163 já é chamada por muitos como o “corredor da soja”. E o senhor Blairo Maggi obteve outra vitória recentemente. Apesar da pressão de ONGs junto ao Banco Mundial ele conseguiu um empréstimo de 100 milhões de dólares para expandir a plantação de soja no seu estado.

A Amazônia para quem?

Sempre se considerou que os piores anos para a região amazônica foram os anos 70 e 80, sob os militares. Foram anos de devastação acelerada: média de 21 mil km² anuais.

Mas, pasmem, entre agosto de 2002 e agosto de 2003 o desmatamento superou a marca de 25 mil km². O Ministério do Meio Ambiente tem se mostrado incapaz de conter o avanço do desmatamento.

Não são apenas queimadas, mas a ação das madeireiras ilegais, a expansão pecuária, e o boom da plantação da soja. Sem contar a grilagem de terras devolutas. Quase metade das terras são devolutas e de propriedade pública, mas não há nenhum marco legal que legalize a situação. Grileiros fazem queimadas, plantam ou criam gados, e conseguem os títulos de posse sem maiores problemas.

Revolutas - nº 10 - novembro de 2004 9 Maringoni Agora Marina da Silva e seus assessores encontraram a solução. Pegaram um projeto de FHC de concessão de florestas para exploração comercial, maquiaram algumas partes, introduziram algumas melhorias, e elaboraram um projeto que estará logo tramitando no congresso Nacional.

Não discutirei aqui os detalhes do projeto.

Mas como acreditar que se possa monitorar a ação das empresas concessionárias se até hoje não conseguiram sequer diminuir o ritmo de desmatamento? Alguém tem dúvida de que serão as grandes madeireiras, nacionais e estrangeiras, que vencerão as licitações? Durante 10 anos “apenas” 20% das florestas serão disponibilizadas para licitação. Mas 20% correspondem a nada menos que 10 milhões de hectares. A perspectiva é de se chegar aos 50 milhões de hectares no futuro. A ministra reage às acusações de “privatização” afirmando que as terras continuam públicas. Mas trata-se de um argumento infantil. O valor não está nas terras em si, que são aliás baratas, mas nas riquezas que contém.

Poderíamos citar ainda o caso da biopirataria. Como o MMA pretende fiscalizar para impedir a biopirataria? Como vai impedir que as pequenas e médias madeireiras que dificilmente terão capacidade de vencer as grandes empresas nos processos licitatórios, de continuarem a exploração ilegal?

E só pra terminar duas perguntas mais: 1) Será que avaliaram os resultados desastrosos causados por programas semelhantes que foram aplicados em países como a Indonésia e a Malásia? 2) Por que a equipe técnica que viajou para a Austrália com o objetivo de estudar o programa de concessão de florestas para exploração teve financiamento do governo dos EUA?

O desgoverno da insustentabilidade Marina surpreendeu outra vez quando, há poucas semanas, foi ao nordeste, em companhia do Ministro Ciro Gomes para anunciar a transposição do Rio São Francisco. Todos os movimentos sociais da região posicionam-se contra o projeto, que terá uma verba de 1 bilhão de reais. Mas Ciro Gomes não quer ouvir os argumentos dos movimentos que questionam a eficácia do projeto e apontam as graves consequências sociais e ambientais. E para a perplexidade dos movimentos sociais, Marina apóia o projeto.

Falar de hesitação a esta altura é pura ingenuidade. A política da “sustentabilidade” do MMA está hoje em perfeita sintonia com a política do governo Lula. Ou, em outras palavras, com a política do agronegócio, do FMI e do Banco Mundial.

Aliás, há muitos outros problemas graves, como o convênio com o Banco Mundial para realizar pesquisas sobre o Aqüífero Guarany. Ou o algodão transgênico que já está sendo plantado no centro-oeste. Ou a idéia insana (que contou com o apoio do Lula) de Zeca do PT de criar um pólo industrial em pleno Pantanal. O impacto da carcinicultura no nordeste, a política energética da Ministra Dilma, que não é outra coisa senão um replay da política que predominou durante o regime militar. A posição de Dilma em Bonn, na Conferencia sobre Energias Renováveis, quando se alinhou com a Turquia na questão das grandes hidrelétricas. A tendência do governo em recuar na questão do amianto.

E, é claro, a lei de biossegurança que, com as mudanças operadas no senado, dá plenos poderes à CTNBio.

O lobby do agronegócio, de próprios setores do governo e de industriais como Antonio Ermírio de Moraes tem mostrado sua força. É essa política que prevalece hoje.

A luta pelo meio ambiente Quase um ano atrás, 500 Organizações Não Governamentais (ONGs) protestaram contra o governo Lula. Menos de dois meses atrás, ONGs romperam com o governo retirando-se das discussões sobre o PPA, que afinal eram apenas para inglesa ver. Tudo indica que a tensão entre ambientalistas e governo irá se acirrar. Mas, com certeza, caso o projeto de licitação seja aprovado, muitas ONGs cujas matrizes estão no exterior, irão lucrar com o serviço de certificação florestal.

Mesmo as ONGs sérias e comprometidas (pois é inegável que existem muitos picaretas), não possuem poder de fogo nenhum.

Fazem denúncias, circulam abaixo-assinados, fazem lobby no Congresso, reúnem-se com parlamentares e membros do governo. Em outras palavras, mesmo com boas intenções a efetividade de suas ações é praticamente nula.

Infelizmente, o quadro é sombrio, principalmente porque além do Movimento dos Sem Terra (MST), que luta mais especificamente contra os transgênicos, os movimentos sociais estão ausentes dessas lutas. Não incorporaram essas lutas na sua agenda. Aliás, tampouco os partidos e correntes de esquerda.

Estes limitam-se a denunciar, mas não desenvolvem nenhuma campanha de massas.

Cremos que é hora de modificar esse quadro e encararmos seriamente essa luta, pois na luta pelo meio ambiente os inimigos não são os “Sugismundos”, mas gigantescas corporações transnacionais, latifundiários do agronegócio, o FMI e o Banco Mundial. É a luta pela sobrevivência do planeta e da humanidade.

Que outra luta poderia corresponder melhor à opção entre “Socialismo ou Barbárie”?

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