quinta-feira, 28 de outubro de 2004

Mercosul reafirma controle sobre reserva

Governos, parlamentares e movimentos sociais rejeitam ingerências externas na manutenção do Aqüífero Guarani
Rui Kureda de São Paulo (SP)

Governos, parlamentares, centrais sindicais, movimentos sociais, pesquisadores e organizações não-governamentais (ONGs) dos quatro países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) estão preocupados com o interesse de organismos internacionais e transnacionais sobre as águas do Aqüífero Guarani – uma das maiores reservas de água doce do mundo.Essa preocupação ficou evidente no Seminário Internacional Aqüífero Guarani, Controle e Gestão Social, realizado dias 14 e 15 de outubro, em Foz de Iguaçu (PR).

O encontro reuniu mais de 380 participantes, entre representantes dos governos do Cone Sul, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT). A declaração final do seminário reafirma o domínio dos Estados sobre a região, destacando que “o uso sustentável e a conservação das reservas do aqüífero devem ser realizados tendo como princípio a soberania territorial de cada país sobre seus recursos naturais”. O encontro foi considerado pelos participantes como um passo importante na luta contra as intenções do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial em implementar as suas políticas neoliberais camufladas com uma retórica ecológica.

BANCO MUNDIAL

A principal preocupação dos movimentos sociais da região é com o Projeto de Proteção Ambiental e Gestão Sustentável Integrada do Aqüífero Guarani. Trata-se de uma iniciativa executada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e financiada pelo Banco Mundial (BM), envolvendo Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, cujo objetivo é a realização de uma análise técnica do potencial das reservas do Aqüífero Guarani.

Logo depois que o acordo foi assinado, ainda em 2003, os movimentos sociais passaram a denunciar os riscos desse projeto, que dá ao Banco Mundial conhecimento estratégico sobre os recursos naturais dos povos da região. Foram organizados encontros para discutir a questão, como um seminário em Ribeirão Preto e um Fórum Social das Águas do Guarani, em Araraquara.

Para Maria Rita Reis, da ONG Terra de Direitos, um dos méritos do seminário em Foz do Iguaçu foi o de ter sido “o primeiro evento oficial sobre o Aqüífero Guarani que não é realizado pelo projeto da OEA e do BM”. Segundo ela, as resoluções do encontro estabelecem “marcos fundamentais, defi nindo a água como um direito humano fundamental, e não uma mercadoria, um objeto para apropriação comercial”.

A dirigente da Central Única dos Trabalhadores do Paraná (CUTPR) Débora Albuquerque ressaltou que, em Foz do Iguaçu, nos debates “ficou clara a total insatisfação das organizações da sociedade civil e dos movimentos sociais em relação ao projeto da OEA/Banco Mundial”. Débora criticou a falta de transparência do projeto, pois não há acesso aos resultados das pesquisas e nem sequer um monitoramento da sociedade sobre essas atividades.

A declaração do seminário pede também atenção especial dos governos do Mercosul para as pessoas que vivem na região do aqüífero: “Uma população majoritariamente pobre, quando não excluída, o que obriga os Estados a ter cuidados especiais com sua preservação e com condições diferenciadas para o atendimento das necessidades da população”. Veja, no quadro acima, as conclusões do seminário.


Conclusões da Carta de Foz do Iguaçu sobre o Aqüífero Guarani
 
1 – O aproveitamento da água potável, organizado como serviço público, deve ser destinado prioritariamente para o abastecimento humano e dessedentação de animais.

2 – O uso sustentável e a conservação das reservas do Aqüífero Guarani devem ser realizados tendo como princípio a soberania territorial de cada país sobre seus recursos naturais.

3 – Os países membros do Mercosul deverão estabelecer amplas políticas de intercâmbio de informações técnicas sobre o Sistema Aqüífero Guarani e divulgá-las livremente nas línguas dos paises membros, garantindo o acesso a todos os interessados.

4 – É imprescindível a adoção desde já de políticas de proteção ambiental com enfoque central no Aqüífero Guarani, incluindo todo os aspectos mais críticos de sua conservação, principalmente nas áreas de recarga.

5 – É fundamental ampliar o papel dos poderes legislativos, nacionais e estaduais, da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, e das organizações e movimentos sociais na discussão, aprovação, fi scalização e controle de políticas relativas ao Aqüífero Guarani.

6 – Ademais do controle político institucional, é imperativo o estímulo, a implantação e o aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão pública e controle social de todas as iniciativas relativas ao aproveitamento e proteção do Aqüífero Guarani, incluindo-se nesse objeto de controle, as atividades, em realização ou propostas, frutos de cooperação no âmbito do Mercosul, com terceiros países ou com organismos internacionais.

7 – A gestão e controle social do uso sustentável e a conservação do Aqüífero Guarani devem subordinar-se a um sistema de planejamento e fi scalização que respeite as necessidades das comunidades que dele possam se servir.

8 – A Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul envidará esforços para criar uma subcomissão sobre o Aqüífero Guarani, para trabalhar na contribuição que for de sua competência sobre políticas públicas de uso sustentável e conservação do Aqüífero, convidando nesse âmbito as organizações da sociedade civil e movimentos sociais por meio de mecanismos como seminários, audiências públicas e consultas. Os participantes declaram, por fi m, que a reserva de água subterrânea estocada no Aqüífero Guarani, comprovadamente um dos maiores sistemas aqüíferos do mundo, estendendo-se pelos territórios do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai, indiscutivelmente uma das maiores riquezas naturais da Região do Cone Sul, seja declarado bem público do povo de cada Estado soberano onde a reserva se localiza, e que seja protegido pelos governos e populações para que possam, estratégica e racionalmente, auferir os benefícios comuns, indispensáveis para a sobrevivência futura.



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