sexta-feira, 13 de fevereiro de 2004

Derrotar a Monsanto

Revolutas No 05  - Janeiro e Fevereiro de 2004

Mas, por mais nobre que tenha sido a intenção do governo, a liberação do plantio e comercialização da soja transgência significou premiar o ato de desafio aberto às leis que proibiam o seu cultivo.

Em março o governo Lula emitiu a MP 113, liberando a comercialização da soja transgênica plantada por agricultores gaúchos com sementes contrabandeadas da Argentina. Segundo os argumentos do governo, a liberação foi justificada enquanto estratégia para impedir a destruição de nove milhões de sacos de soja transgênica já existentes no país, evitando a quebra dos agricultores.

Mas, por mais nobre que tenha sido a intenção do governo, a liberação significou premiar o ato de desafio aberto às leis que proibiam o seu plantio. Ao cultivarem a “soja Maradona”, os produtores e, obviamente a Monsanto, apostaram na tática do fato consumado. Forçaram uma situação na qual o governo teve que optar entre assumir o ônus político de um desastre agrícola e econômico no RS ou liberar o produto ilegal, contrariando suas próprias leis, e, principalmente, abrindo uma brecha importante para o lobby pró-transgênico.

Ligações perigosas Fortalecido pela MP 113, o lobby dos transgênicos não perdeu tempo. Em junho, uma comitiva de sete deputados federais, mais três cientistas, dois representantes de ONGs, um representante do Governo Federal, um observador da CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e dois assessores, visitaram instalações da Monsanto  nos EUA, com as despesas pagas pelo governo americano a Abrasem (Associação Brasileira de Sementes), entidade representativa das indústrias transgênicas. Dos sete parlamentares, cinco eram do PT, inclusive o deputado gaúcho Paulo Pimentel, que teve papel ativo durante o período de elaboração da MP 131. Dos sete parlamentares, quatro eram titulares ou substitutos da Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara. E, além disso, indicado pelo ministro- chefe da Casa Civil, José Dirceu, integrou a comitiva seu assessor Erico Feltrin.

Na Casa Civil, seu papel é justamente o de acompanhar a discussão sobre o novo projeto do governo a respeito dos transgênicos.

A MP 131 No mês de outubro o país presenciou uma batalha, amplamente divulgada, entre defensores e opositores da MP que liberaria o plantio e a comercialização da soja transgênica. De um lado ONGs, o MST, movimentos sociais e, de outro, a Monsanto, agricultores do RS, representantes do agronegócio, a grande mídia. No governo a divisão foi cristalizada na polarização entre a Ministra do Meio Ambiente , Marina da Silva, e o Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues.

Após uma semana de debates, José de Alencar assinou a MP, com alterações sugeridas pela ministra, com o intuito de limitar o alcance da liberação. Mas apesar disso, a MP foi fudamentalmente uma vitória do lobby pró-transgênicos.

O aspecto importante da polêmica é que não havia, desta vez, qualquer justificativa para a liberação. Os agricultores gaúchos, com o deputado Paulo Pimentel à frente, afirmavam que não haviam sementes de soja convencional disponíveis. Esse foi o único argumento concreto apresentado para justificar a liberação. No entanto, segundo o próprio Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, haveria sementes convencionais em quantidade suficiente Isso quer dizer que se o governo desejasse, poderia ter trocado as sementes transgênicas por convencionais.

A Festa da Monsanto Cem milhões de dólares é o montante a que pode chegar os royalties a serem pagos à Monsanto. A transnacional vê seus esforços de suborno, lobby e ações ilegais renderem frutos. Afirma que cobrará um valor que não seja prejudicial aos agricultores.

Tamanha bondade não esconde a satisfação da corporação que presencia um salto em seus negócios graças à MP do governo Lula. Em primeiro lugar, porque sem a MP não poderia legalmente cobrar os royalties. Em segundo lugar, porque não precisará fazer nada para ganhá-los. Mesmo sem vender as sementes, o plantio de transgênicos aumentará em cerca de 50%, podendo chegar a 15% do total da próxima safra, contra 10% - segundo estimativas não oficiais – da safra passada. E a Monsanto terá direito a cobrar royalties mesmo daqueles que nunca compraram sementes transgênicas, mas tiveram suas plantações “contaminadas” por cultivos transgênicos alheios. E, em terceiro lugar, a “vantagem” da sua soja transgênica é ser resistente ao herbicida Roundup, também fabricado pela Monsanto.

Transnacionais: a Ciência a serviço do lucro A luta contra os transgênicos não é a luta contra o avanço da ciência em geral ou da biotecnologia em particular, como alguns tentam fazer crer. Qualquer avanço científico é bem vindo, pois abrem novas perspectivas para o desenvolvimento da humanidade. Mas o problema é quem controla e aonde é aplicado esse conhecimento. A biotecnologia trouxe avanços que poderiam ser utilizados para o bem estar da humanidade. Mas empresas como a Monsanto estão interessadas em aumentar seus lucros indefinidamente. Um executivo da Cargill norte-americana afirmou que, com a ajuda das empresas de biotecnologia, iriam dominar toda a cadeia alimentar “da semente até o prato”.

O meio ambiente em perigo Esse mesmo fator representa uma ameaça à biodiversidade. No México divulgouse recentemente um relatório que mostra que milhos nativos de nove estados mexicanos haviam sido contaminados por milhos transgênicos, alguns inclusive, impróprios para consumo humano.

Apesar da Monsanto afirmar o contrário, a soja RR não reduz o uso de herbicidas, pelo contrário, aumenta. Primeiro porque a tendência é de usar mais herbicida devido à resitência d aplanta, e, segundo, porque a tendência é de aumento da resistência ao herbicida, exigindo a aplicação de dosagens maiores.

Riscos à saúde Um dos argumentos usados pelos defensores da liberação é que não está provado que transgênicos fazem mal à saúde.

Isso é verdade, mas tampouco há provas de que não causem mal. A liberação deve estar baseada em uma avaliação segura quanto aos riscos, mas isso não pode ser feito em pouco tempo, pois os efeitos muitas vezes levam tempo a aparecer.

Foi o caso da enfermidade da “vaca louca”. Somente 10 anos após o início da utilização de rações animais para alimentar os gados de corte é que os primeiros casos da enfermidade apareceram, causandoi amorte de centenas de pessoas e o sacrifício de milhares de bois e vacas.

Mentiras e manipulações Com o intuito de conseguir a liberação definitiva dos transgênicos e conquistar a opinião pública, as corporações como a Monsanto, manipulam fatos e disseminam mentiras. a maior delas é o argumento de que os transgênicos a solução para a fome no mundo. A produção de alimentos no mundo atual é mais que suficiente para alimentar toda a humanidade. Se milhões passam fome, não é por falta de comida, mas por falta de condições para comprar mesmo o alimento para a sobrevivência.

Também se diz que os transgênicos barateiam a produção e tem maior produtividade. Mas dados da FAO mostram que a soja convencional brasileira é mais produtiva que a soja transgênica norte-americana. E, além disso, tem custo menor que a soja norte-americana  O que está em jogo nesta luta? O governo Lula prepara um projeto de lei regulamentando definitivamente a produção e o comércio dos transgênicos. Ainda não se sabe o teor do projeto, mas não temos razões para sermos otimistas, pois seu governo ao contrário das expectativas, tem agravado os problemas ambientais. Por isso, devemos estar preparados para um duro combate.

A luta contra os transgênicos é, sim, uma luta contra o monopólio da semente, pela segurança alimentar, pela defesa da saúde pública, contra o modelo agrícola atual e por uma agricultura voltada para as necessidades da população. Mas é, principalmente, uma luta de vida ou morte contra um sistema que coloca o lucro acima da humanidade, que reduz a natureza em mercadoria, que ameaça a humanidade e o planeta com um desastre ecológico, através da ação de corporações inescrupulosas como a Monsanto.

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