domingo, 4 de maio de 2003

Sobre falcões, abutres e a luta contra a guerra

Revolutas No 02 Maio de 2003

Os abutres do Pentágono são incansáveis. Já se perguntam aonde será a sua próxima missão “civilizatória”: Síria? Irã? Coréia do Norte? Colômbia? Para onde se voltarão os canhões dos tanques depois de consumado o massacre? Onde será o próximo inferno?

Quando fechávamos esta edição os meios de comunicação mostravam as imagens da gigantesca estátua de Saddam sendo derrubada. A situação de Bagdá, tomada pelas forças anglo-americanas com uma facilidade inesperada, era a própria imagem do inferno: cadáveres nas ruas, saques, fogo e fumaça. Nem mesmo a mídia corporativa pró-Guerra pôde ocultar ou maquiar a barbárie que se instalou na capital do Iraque.

A “civilização” chega à terras “bárbaras” trazendo caos, morte, destruição. É eloqüente o cinismo histérico de Rumsfeld, o facínora secretário de “defesa” dos EUA, que afirmou, aos brados, em entrevista coletiva: “Peguei os jornais hoje de manhã e vi nas manchetes coisas incríveis: “caos”, “saques”, “desordem”. O que é isso? Estamos falando de um país que acaba de ser libertado!” (Folha de S. Paulo, 12/04/ 03).

Essas são as palavras daquele que é considerado o grande vitorioso nos EUA, o defensor dos “bombardeios humanitários” que somaram mais alguns milhares de mortos, militares e civis, à lista dos outros tantos milhares mortos por Bush pai em 1991 e às mais de 500 mil crianças que pereceram em função do embargo ordenado pela ONU.

A derrota militar não surpreende, afinal a superioridade militar das forças anglo-americanas era evidente.

Porém, a duração da guerra foi aquém do que se esperava. Todos aguardavam conflitos intensos em Bagdá, mas a capital iraquiana caiu mais facilmente do que se imaginava. Isso se deve principalmente ao caráter despótico, anti-popular do regime de Saddam Hussein. A única forma de resistir e, eventualmente, derrotar as tropas invasoras seria a participação direta e efetiva da população. Mas para isso teria sido necessário que Saddam Hussein conseguisse mobilizar a população, uni-la na luta contra o inimigo.

O regime de Saddam Hussein caiu, mas o que irá substituí-lo nem de longe é melhor. Se o regime baathista era uma ditadura que reprimia o povo e massacrava os curdos, o novo governo que será instalado pelos EUA não será mais do que um governo a serviço dos interesses geopolíticos e econômicos norteamericanos.

A escolha do general da reserva americano Jay Garner para conduzir a administração de pós-guerra no Iraque, um militar com relações na indústria de armas, estreitamente vinculado ao primeiro ministro israelense Ariel Sharon, cujas ações contra os palestinos apóia incondicionalmente.

O espólio já foi dividido. Os executivos das empresas que foram premiadas com a sua parte na “reconstrução” do que ajudaram a destruir, já estão chegando ao solo iraquiano. Depois dos falcões, chegam os abutres. Nunca o elo entre o “mundo dos negócios”, o poder político e a ação militar ficou tão claro como nesta guerra. E nunca houve tanto cinismo, tão pouca preocupação em esconder os reais interesses por trás de desculpas esfarrapadas. O novo imperialismo norte-americano não está preocupado com formalidades.

Mas se os EUA e a Inglaterra venceram militarmente a guerra contra o Iraque, politicamente foram derrotados. O sentimento anti-imperialista cresce no mundo todo, numa escala sem precedentes. No mundo árabe, os governantes favoráveis a Bush são obrigados a radicalizar s discursos para aplacar a ira popular contra os massacres cometidos contra os iraquianos, cujas imagens foram amplamente difundidas por estações como a Al Jazeera.

E nos próprios EUA e na Europa as mobilizações continuam, agora pela retirada das tropas. No dia 12, 500 mil foram às ruas em Roma, 100 mil em Nova Iorque, 250 mil em Londres. Os movimentos contra a guerra nesses países tiveram um papel fundamental, e sua continuidade após o início da guerra e, principalmente, mesmo após a derrota do Iraque, é um fato político de importância tremenda, pois ninguém tem dúvida de que mais ataques virão. Os próximos alvos mais prováveis são a Coréia do Norte ou a Síria.

Mas não importa que país seja, a luta deve continuar, as mobilizações não podem parar.

Não vamos esperar que os falcões decidam qual será o próximo povo a ser massacrado, qual país será o próximo a ser destruído, aonde será o próximo inferno de bombas e sangue.

A luta contra a guerra é muito mais do que um ato de solidariedade internacional.

É hoje a principal luta a ser travada em todo o planeta, pois significa lutar contra o imperialismo, contra o militarismo sanguinário que ameaça não um ou outro país, mas a humanidade toda. E a esta altura é bom lembrar que os que querem ser nossos “parceiros” na ALCA são esses mesmos que “libertaram” Iraque. Por isso a luta contra a guerra e o imperialismo deve moldar todas as demais lutas, seja contra a dívida externa, contra a ALCA ou contra o acordo da Base de Alcântara. As manifestações contra a guerra em escala global mostraram o poder das multidões nas ruas. Agora, mais do que nunca, devemos intensificar essa luta, ampliar as mobilizações. A nossa guerra não terminou.

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