quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Audiência pública é marcada por críticas à barragem de Tijuco Alto

MEIO AMBIENTE Nenhum representante da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) compareceu ao debate

Rui Kureda de São Paulo (SP)

A AUDIÊNCIA pública sobre a barragem de Tijuco Alto, realizada no dia 27 de julho na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, foi marcada por duras críticas ao polêmico projeto do empresário Antonio Ermírio de Moraes. Antes de ter início, foi realizado um breve ato que contou com mais de 300 pessoas, em sua maioria quilombolas, indígenas, caiçaras e agricultores do Vale do Ribeira, que vieram em sete ônibus. Também estavam presentes representantes de diversos movimentos e entidades que manifestaram solidariedade à luta das comunidades contra a construção da barragem. A audiência foi presidida pelo deputado estadual Raul Marcelo (PSOL) e todos os membros da Mesa apontaram as graves consequências sociais e ambientais da usina hidrelétrica (UHE) de Tijuco Alto e se manifestaram contra a sua construção.

Quanto - 21% da Mata Atlântica original localiza-se no Vale do Ribeira

Azul (PR), denunciou as pressões e os métodos de coação que  a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), de Antonio Ermírio, vem aplicando há quase duas décadas. Segundo o sindicalista, no fi nal dos anos de 1980 e começo dos anos de 1990, houve um grande êxodo rural na sua cidade. A CBA coagiu os moradores a venderem suas terras, levando-os a migrarem para as periferias das cidades. Arley citou como exemplo o surgimento da favela da Vila Esperança, em Curitiba (PR), formada em grande parte por agricultores que foram vítimas da coação da CBA.


Quilombolas

José Rodrigues, da Associação do Quilombo de Ivaporunduva (no município de Eldorado-SP),


Os moradores do Vale do Ribeira não escondem sua indignação e a disposição de resistir: “se não resistirmos, vamos perder. E se perdermos, vamos para onde? Vamos resistir até o fim”, raciocinam 


Nilton Tatto, representante do Instituto Socioambiental (ISA), salientou o fato de que restam apenas 7,6% da Mata Atlântica original e que o Vale do Ribeira comporta 21% dessa área. De acordo com ele, 17 mil hectares serão inundados caso o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) conceda a licença para a construção da usina.

Segundo o cacique Luis Euzébio, a luta contra a barragem é uma luta não só para preservar a cultura indígena, mas também parte da luta pelo planeta. “Antes da invasão (há 507 anos), não tinha miséria, poluição e índio pedindo terra”, lembrou.

Arley Rosa, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar de Cerro o maior quilombo do Vale do Ribeira, manifestou preocupação com o clima favorável para a construção de usinas hidrelétricas provocado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal.

Caso a UHE Tijuco Alto seja construída, virão mais três, prevê Rodrigues, o que representaria uma ameaça direta a muitos quilombos da região. São mais de 50, dos quais 18 foram reconhecidos. Mas a demarcação ainda não foi feita. Até agora, cinco quilombos foram titulados, mas não conseguiram registro. Impedir a construção da barragem é uma questão de vida ou morte, pois todos os quilombolas dependem do rio para sobreviverem.

Além disso, um aspecto pouco conhecido do Vale do Ribeira é a concentração de um dos maiores complexos de cavernas do Brasil. Até hoje, foram cadastradas 273 cavidades naturais. Clayton Ferreira Lino, presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e membro da Sociedade Brasileira de Espeleologia (estudo de grutas e cavernas), denuncia que não há nenhum estudo que comprove que esse tesouro espeleológico não seja afetado pela barragem. As cavernas são protegidas por legislação federal e são bens da União, enfatiza. Além disso, Clayton lembra que a Lei da Mata Atlântica proíbe cortes da mata primitiva, a não ser em caso de interesse público: “Qual é o interesse público na construção da UHE Tijuco Alto?”  Digna de nota foi a ausência de representantes da CBA e de intervenções favoráveis à Barragem de Tijuco Alto. Também participaram da mesa Aziz Ab’Saber, geógrafo e professor honorário da USP, o bispo Dom José Luis Bertanha, de Registro (SP), e José Batista, da direção do  movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Resistir até o fim 


No auditório lotado, moradores do Vale do Ribeira não escondiam sua indignação e a disposição de resistir. Adilson Oliveira Silva e André Luis Pereira de Moraes são dois jovens militantes do Movimento dos Ameaçados por Barragens (Moab) e da Associação Remanescentes de Quilombo do bairro André Lopes, na cidade de Eldorado (SP). Ambos relataram o caso de uma moradora do quilombo que foi multada por ter plantado feijão para consumo próprio. “Quem vai multar Antonio Ermírio quando a barragem causar destruição?”, perguntam. Adilson e André resumem o seu estado de espírito e o dos moradores do Vale do Ribeira com as seguintes palavras: “se não resistirmos, vamos perder. E se perdermos, vamos para onde? Vamos resistir até o fim”.


Comitê em Defesa do Vale do Ribeira

No mesmo dia da audiência pública, o Diário Ofi cial publicava o veto do governador José Serra ao projeto de lei aprovado em junho pela Assembléia Legislativa, que transforma o rio Ribeira de Iguape em patrimônio histórico, cultural e ambiental do Estado de São Paulo.

O deputado estadual Raul Marcelo (PSOLSP), autor do projeto, critica o caráter político da decisão. “O governo estadual se omitiu e o rio está morrendo”, afi rmou. Ele considera fundamental concretizar a decisão tomada pela audiência pública de formação de um Comitê em Defesa do Vale do Ribeira. “Vamos realizar uma ampla campanha para derrubar o veto”, afi rmou.

Segundo o deputado, o papel do comitê não pode se esgotar na luta contra a barragem, mas deve debater os graves problemas sociais e ambientais da região, apontando propostas que atendam às necessidades das comunidades tradicionais, agricultores e de toda a população do Vale do Ribeira. (RK)


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