quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Política econômica e obsessão por crescimento devastam a Amazônia

MEIO AMBIENTE Desmatamento aumenta; para especialistas, importância do agronegócio na balança comercial é principal fator.

Fazenda de soja próxima ao Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso - Leonardo F. Freitas/CC

Rui Kureda de São Paulo (SP)

O DEBATE sobre a preservação da Amazônia voltou à berlinda após a divulgação de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que apontam aumento significativo da área desmatada.

O levantamento mostra que, entre agosto e dezembro de 2007, 3.233 km² de floresta foram derrubados.

O anúncio dos dados do Inpe levou o governo federal a adotar umpacote de medidas de emergência.

Foi elaborada uma lista de 36 municípios responsáveis por metade do desmatamento na região, onde serão suspensas autorizações para desmatamento. Segundo o pacote, aprovado em reunião de emergência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros seis ministros, as propriedades rurais dessas cidades terão de ser recadastradas e passarão a ser monitoradas. 

A meta é coibir tanto a derrubada ilegal quanto o comércio e o transporte de produtos de áreas desmatadas.

A grande polêmica 

Mas esses acontecimentos mostraram mais uma vez que não há consenso nem no diagnóstico e nem no remédio a ser aplicado. Como sempre, o agronegócio demonstra sua contrariedade diante dos dados do Inpe e das medidas do governo. Uma declaração da ministra Marina Silva (Meio Ambiente) apontando a expansão da fronteira agrícola – principalmente da pecuária e da soja – como principal causa do aumento do desmatamento provocou a imediata reação de Reinhold Stephanes, ministro da Agricultura.
Ele respondeu que não houve ampliação da área de plantio de soja na Amazônia nos últimos anos.
Assim como o governador Blairo Maggi (PR-MT), maior produtor de soja do país, Stephanes lançou dúvidas sobre os dados do Inpe, em particular os relativos ao Estado de Mato Grosso, onde teria ocorrido mais da metade do desmatamento. 
O governador de Rondônia, Ivo Cassol (sem partido), também interveio no debate, chamando Marina Silva de “despreparada” e criticando-a pela divulgação dos dados do Inpe que, em sua opinião, são “mentirosos”.

A acirrada polêmica provocou a intervenção do próprio presidente, que buscou minimizar o desmatamento: “você vai ao médico detectar que está com um tumorzinho aqui e, em vez de fazer biópsia e saber como vai tratar, você já sai dizendo que estava com câncer”. Lula também saiu em defesa de Maggi. “O governador tem sido parceiro nosso. Ele tem discordância com os números, de que foi a soja”, declarou. 

Sustentabilidade

Essas divergências têm pautado há tempos o debate sobre a Amazônia. Para muitos, seria falsa a polarização preservação versus desenvolvimento. O “ovo de Colombo” seria a compatibilização entre o imperativo da preservação ambiental e a necessidade de crescimento econômico na região. Essa linha de pensamento tem marcado a abordagem do governo federal, inclusive do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e de ongs ambientalistas. Mas tampouco há acordo sobre o signifi cado de “desenvolvimento sustentável”.

Para Elder Andrade de Paula, professor da Universidade Federal do Acre, “as supostas preocupações com o que instituições internacionais como o Bird (Banco Mundial) denominaram ‘desenvolvimento sustentável’ aparecem no discurso de madeireiros, pecuaristas, mineradores, governantes, ongs, representantes de movimentos sociais, como se todos estivessem ‘irmanados’ em torno da ‘causa ambientalista’ e todos os interesses contraditórios que envolvem suas relações tivessem sido sanados”. Elder entende que mesmo as diferenças entre os Ministérios da Agricultura (Mapa) e Meio Ambiente são diferenças mais de forma do que de conteúdo: 

“Ambos estão afi nados com a idéia de que a Amazônia deve ser explorada de acordo com as ‘determinações de mercado’. A divergência fica por conta dos diferentes interesses particulares que os presidem. O primeiro (Mapa) dominado pelos interesses do agronegócio da pecuária e soja, e o segundo (MMA), pela vasta rede de ‘negócios ambientais’ que envolvem desde a exploração madeireira ‘manejada e certifi cada’ até o ecoturismo”. 

Propostas limitadas 

As medidas emergenciais apresentadas pelo governo federal receberam críticas também de especialistas e representantes de ongs ambientalistas, que têm manifestado dúvidas quanto à eficácia das medidas. A não-concessão de licenças para desmatamento é considerada, particularmente, uma medida inócua, uma vez que a maior parte das derrubadas na região é feita sem autorização.

Aponta-se ainda a ausência de condições para a realização do trabalho de fiscalização. O escritório do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) de Alta Floresta (MT), situada em uma das regiões mais atingidas pelo desmatamento, é um exemplo da precariedade de recursos. Responsável pela fiscalização ambiental em 13 municípios da região norte de Mato Grosso – que correspondem a uma área superior a 92 mil km² –, o escritório possui apenas três servidores para dar retorno a essas medidas de emergência, quando, segundo declarou Cláudio Cazal, chefe-substituto do escritório, seriam necessários pelo menos 50. Além disso, a falta de estímulos para permanecer nas áreas críticas e a estrutura ineficaz dos órgãos seriam motivo de descontentamento e frustração entre os funcionários do Ibama.



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